segunda-feira, 20 de julho de 2009

Pérolas do ensino Francês

Ao se pensar na França como berço de uma revolução cultural que instaurou uma nova ordem ética, moral e política, surpreende-me o fato de que a educação francesa algumas vezes se mostra, em relação às suas próprias aspirações universais, grotescamente atrasada. Valores ultrapassados como repeito unilateral à autoridade, hierarquia, formalidades absurdas para se fazer inscrições e tratamentos desiguais de acordo com o seu diploma não são a regra, mas ainda se reproduzem pelos cantos do sistema, junto a uma grande falta de sensibilidade de educadores e funcionários.

Sem falar na dura política contra a população imigrante ou na ideologia vulgar que incentiva o povo a "trabalhar mais para ganhar mais", é possível observar sem muita dificuldade tanto no ensino básico e fundamental quanto no ensino universitário (sobretudo na pós-graduação) uma orientação que pouco tem a ver com o ideal de liberdade, igualdade e fraternidade tantas vezes proclamado. Mesmo em cursos mais heterodoxos, não raramente se identifica na postura de professores e alunos a mesma tendência medieval, o que indica que essa forma de agir está incrustada na sociedade francesa. Mais do que uma simples postura individual, é uma forma social de agir reproduzida naturalmente pelo conjunto da sociedade.

Para uma crítica mais justa sobre o sistema educacional francês é melhor consultar os franceses (o vídeo vale a pena pra começar). Seria muita arrogância minha querer analisar profundamente esse mundo do qual eu faço parte apenas por um tempo limitado. Evidentemente, tudo pode ser relativizado e existem sem dúvidas diversos elementos e experiências super interessantes e positivas, sobre as quais não vou tratar agora.

E para exemplificar e se divertir, eis algumas situações indiscretas vividas aqui e que poderiam muito bem ter sido vividas no Brasil (elas dariam ótimas tirinhas com um desenho adequado):

* Primeiro dia de aula, aquela pequena apreensão e curiosidade. Como será o curso? Logo o professor chega. Observa a turma calmamente e afirma: "Hummm... Vejo que não conheço todos aqui.... então acho importante me apresentar." Ele se apresenta e começa a aula. Aparentemente ninguém viu nada de estranho: o importante não era ele conhecer os alunos com quem iria trabalhar, mas apenas ter certeza que todos o conheciam!

* Em outra ocasião, após uma sequencia de alunos que chegaram atrasados entrarem, o professor comenta, com um ar sério, que esse fato lhe faz lembrar uma cena muito engraçada em um filme da década de 60. A aula está monótona e o ar é sério, pois aparentemente os alunos atrasados estão atrapalhando o curso. O professor então descreve a cena do filme, aparentemente para "quebrar o gelo". Fracassa. Ninguém acha graça e nem mesmo o próprio professor ri. A aula continua, mais monótona que antes...

* Professor: "Em uma atividade econômica que é um serviço direto é possível haver uma relação de troca de informações entre o prestador e o consumidor, pois a atividade ocorre face-a-face e isso gera uma melhoria no processo. Por exemplo, esta aula é um serviço onde os clientes são vocês, alunos, que podem demandar mudanças se não estiverem satisfeitos".
Alunos: (Silêncio massacrante).

* No primeiro dia de aula de um curso, onde o programa disponibilizado não dizia nada a respeiro de pré-requisitos, a Professora afirma: " Visto que esta disciplina é continuação do semestre anterior, gostaria que os novos alunos se apresentassem e falassem um pouco sobre seu tema." Apenas os novos alunos se apresentam e nem mesmo a professora explica o que se fez anteriormente. Após o primeiro aluno falar sobre seu tema, a fim de verificar se corresponde com a orientação da aula ela afirma, fazendo cara: "Mas não tem nada a ver!" A mesma resposta se segue para 90% dos novos alunos. Será que havia algum problema com o programa disponibilizado? Resultado: na segunda semana, metade dos alunos desistiu da matéria. Com a sala vazia e ar de orgulho, a professora afirma: "acho que os outros se assustaram!" (Risos repugnantes).

terça-feira, 7 de julho de 2009

Abrindo a geladeira

Semana passada ouvi alguém dizendo que a necessidade mais básica do homem é o reconhecimento. Andei refletindo sobre isso e devo dizer que não estou tão certo. Afinal, a necessidade mais básica de qualquer ser vivo (e incluímos nessa categoria o ser humano) não seria a alimentação? Ora, um homem que não é alimentado não sobrevive, não cria, não se reproduz. E assim, dificilmente pode ser reconhecido.

Por outro lado, nenhum ser humano, mamífero ou qualquer outro ser que viva em sociedade será alimentado se não for antes reconhecido. Por uma mãe (biológica ou não), por uma babá, pelo Estado ou seja quem for. Deve ser reconhecido em um grupo, para que seja alimentado e nutrido das substâncias mais variadas que permitem a constituição daquilo que reconhecemos como um ser humano. Evidentemente, tais substâncias não se limitam a proteínas, vitaminas e carboidratos.

Logo, quando alimentamos alguém, satisfazendo suas carências mais básicas e instintivas, de algum modo o reconhecemos. Esta é a forma mais primária de reconhecimento. Por isso, muitas vezes ao receber alguém em nossa casa lhe oferecemos algo. Isso não quer dizer necessariamente que o reconhecemos, mas pode ser uma indicação de que queremos fazê-lo se sentir acolhido. No entanto, a oferta não está sempre de acordo com as necessidades do hóspede - o que dificulta a manutenção de tal sincronia. Em geral, isso se deve à um certo descompasso entre os sistemas de regras, protocolos e costumes de cada uma das partes.

Por isso, quando recebo alguém em casa, eu o incentivo a abrir a geladeira. Ao menos dos meus melhores e mais íntimos amigos espero esta atitude: abra, pegue o que tiver vontade e contribua como e somente se puder. Um homem que entra na casa de um amigo e abre a geladeira sem receio (seja porque tem fome ou sede, ou apenas para ver o que tem dentro - mas sabendo que pode encontrar mais do que apenas comida), este homem ao mesmo tempo em que se alimenta por si mesmo é alimentado por outro. Em outros termos, ele não apenas se reconhece, mas sabe que é reconhecido.